Eu tive um sonho. O sonho não foi comum, daqueles que se tem em noites normais, quando deitamos na nossa cama da forma habitual, quando acordamos nus por conta da nossa própria vontade inconsciente de se levantar e começar o dia. Não, o meu sonho foi um tanto quanto estranho, quase assustador, inquietante... ah, é importante dizer que eu não tinha ido dormir de barriga cheia, nem comido altas horas da noite alguma comida pesada, como as pessoas insistem em dizer depois que a gente conta que teve um pesadelo: ´´ Quem manda ir dormir de barriga cheia!´´
Acordei como sempre, cedo. Estava de férias há algumas semanas, mas não conseguia parar de acordar cedo. Não era de todo ruim, podia aproveitar mais o dia, visitar todas as pessoas que queria e precisava visitar. Era um dia especial aquele. Visitaria alguém por quem por algum tempo sentira um forte sentimento de quase-paixão. Abri meu guarda-roupa e ,ainda nu, ensaiei vestir algumas combinações de calça e camisa. Achei aquela que seria perfeita, me vesti e fui.
Encontramos-nos num parque muito verde, às 10:00. O dia estava esplêndido; pessoas faziam piqueniques, corriam, andavam de patins, namoravam... Conversávamos quando comecei a me sentir estranho. O vento parecia mais forte, o sol me queimava mais a pele e então percebi que minha roupa, minha roupa toda estava desaparecendo ...a camisa, a calça e até minha cueca estavam ficando transparentes. Não se tratava apenas de elas estarem se tornando invisíveis, não, elas estavam realmente desaparecendo! Todo o processo demorou no máximo um minuto e eu me vi ali, nu! Não agüentei, estava totalmente envergonhado ...claro, e moça ria copiosamente de mim, ou da situação, enfim, não fiquei muito tempo esperando para perguntar do que é que ela ria, fugi correndo. Enquanto corria percebi que ninguém mais se incomodara com a minha nudez, passava por todos como qualquer um que fazia caminhada num ritmo mais animado.
É engraçado como existem sonhos e sonhos. Este foi um daqueles que parecem filme, sabe? Cores fortes, vívidas...os diálogos eram totalmente inteligíveis, ninguém falava como idiota, ninguém tinha língua enrolada, falava uma língua estrangeira ou latia ( enquanto os cachorros falavam português claro)... Além do mais o sonho doía.
Depois de ter chegado em casa, chequei todas as roupas no meu guarda-roupas, provei cada uma ficando com elas no corpo por pelo menos 10 minutos cada. Nenhuma sumiu. Não conseguia entender e depois de muito tempo me cansei de pensar, me despi e fui dormir. Daí aconteceu o lance do filme de novo: no intervalo escuro que aconteceu entre meu fechar de olhos para dormir e abri-los de novo apareceu uma legenda que dizia: ´´ Algum tempo depois... ´´ Acordei, não parecia muito diferente não, só sabia que hoje tinha um encontro! Era um dia muito feliz e tudo daria muito certo... nu, em frente ao espelho, pus em frente o meu corpo um terno finíssimo que havia comprado para essa data. Estava de férias então podia aproveitar um pouco o dia, o encontro só aconteceria no fim da tarde: um jantar!
Chegada a hora, me vesti e saí. Lembrei da última vez que havia me preparado para encontrar alguém, do episódio no parque. Limpei aquela cena da minha mente e fui. Tudo corria muito bem, já tínhamos sido servidos quando comecei e não sentir mais o peso da roupa no meu corpo. Sem acreditar, olhei para meu colo e já podia ver minha cueca ( que também já estava sumindo) embaixo da calça. No mesmo instante me levantei, pensando que, se corresse para o banheiro as pessoas ainda não me veriam totalmente nu. Foi inútil. Parece que no momento que me movimentei mais bruscamente para empurrar a cadeira a roupa aproveitou e sumiu de vez!
Ela olhou pra mim por cinco segundos, estática. Eu já estava esperando uma risada explodir daquela boquinha mas não, ao invés disso ela começou a chorar como jamais vira alguém chorar. Fique desconcertado, não sabia o que fazer. As pessoas começaram a olhar para ela sem entender o porque daquele choro. Eu também não entendia uma coisa: todo mundo olhava pra mim normalmente, ninguém ficava me olhando como fazem as pessoas ordinárias quando vêm alguém assim, parada, em pé, nu em pelo, dando sopa no meio de muita gente. A imagem desapareceu e o vídeo-sonho correu como se tivesse apertado a tecla ´´Forward´´ do DVD player. Vi então várias cenas: uma após a outra eu acordava, achava a roupa certa, me vestia e seguia ao encontro de alguém. Um após o outro, em todos os lugares possíveis, tudo acontecia do mesmo jeito: a roupa simplesmente sumia, a pessoa tinha uma reação extrema, estranha e eu morria de vergonha. Vi outras cenas também, não era só isso. Vi cenas em que me encontrava com amigos, colegas de trabalho, ia a shows, peças de teatro e tudo corria na mais perfeita ordem, nada de roupas sumindo.
Acordei quando os créditos subiam, sumindo no limite das minhas pálpebras. Era estranho o sentimento de tristeza, de dor e amargo na boca. Fiquei com medo de abrir o guarda-roupas e não ter roupa nenhuma. Caminhei lentamente, fitando a porta cor mogno como se quisesse ver algo muito pequeno. De supetão abri e suspirei: estavam todas ali. Passei a mão na testa e comecei a esquecer, afinal, era só um sonho.